quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O CÉU POR TESTEMUNHA






Com direção de Júlio Maciel, cenário e figurinos de Marcio Medina, o Galpão apresenta Till, em montagem ao ar livre


escrito para a Revista Brasileiros edição n° 28 – Novembro de 2009 http://www.revistabrasileiros.com.br/

Comenta-se a boca pequena entre os frequentadores assíduos de teatro que não há nada mais dolorido que assistir a um mau espetáculo. A situação normalmente é constrangedora: os atores estão ali, ao vivo, e você está rodeado por outros espectadores aflitos, passando pela mesma agonia. Isso não é bom para nenhum dos lados da tal da quarta parede. Quando a quarta parede deixa de existir e somos presenteados com um belo espetáculo, e esse é o caso de Till, a saga de um herói torto, do Grupo Galpão, nada pode ser mais estimulante. É no teatro ao ar livre, benfeito, que a plateia se comporta como cúmplice dos atores e tem, sem metáforas, o céu por testemunha. Puro prazer: a igreja chama isso de comunhão.


A Idade Média é a época em que vive a personagem principal, Till, um jovem que demorou anos para sair do ventre da mãe, por pura preguiça. Ele nasce sem inteligência e depois é desprovido da consciência, resultado de um acordo com o Diabo (Chico Pelúcio) para garantir sua sobrevivência, ao ser condenado à morte por uma de suas falcatruas. Fica difícil não comparar Till aos nossos heróis populares, Macunaíma, de Mário de Andrade, e Pedro Malasartes - que já foi personagem de ópera de Guarnieri com libreto de Mário de Andrade.


Till Eulenspiegel é a versão alemã de Pedro Malasartes, personagem folclórico que ganhou em cada recanto do Brasil uma versão de sua história e, dizem, teve sua origem na Europa, onde cada país cultua os seus "Pedros" e "Tills". Ou seja, em todas as culturas, onde há grandes diferenças sociais, podemos encontrar contos populares em que o pobre é o espertalhão e o rico é um tolo.


Apesar da distância histórica, Till está visceralmente ligado a todos os brasileiros dos dias de hoje, principalmente os que vivem na cidade de São Paulo e em outros grandes centros urbanos - onde estamos rodeados de moradores de rua que seguem perambulando por aí, tentando sobreviver de pequenos expedientes e aos golpes dos exploradores da miséria humana. Basta caminharmos por nossos elegantes bairros e alguém tem uma história para contar dos moradores a céu aberto.


Além do desaforado Till, vivido magistralmente por Inês Peixoto, e sua mãe, incorporada por Teuda Bara - atriz mineira das mais cultuadas -, um trio de cegos diverte e emociona a plateia com as suas peregrinações em busca das Cruzadas de Jerusalém. São eles os protagonistas de uma das mais belas cenas, escrita por Luis Alberto de Abreu, em que Alceu (Simone Ordones), ferido mortalmente em uma batalha pede ao amigo Borromeu (Antonio Edson) que o beije para que não morra sem conhecer a sensação de ser beijado. Isso resulta em uma breve pausa na luta de classes vivida pelo povo e encabeçada pela consciência de Till, que vaga independentemente do seu corpo. Mas como nas guerras que vivemos, o impacto do ato tem curta duração.


Além dos atores já citados, todos os participantes do Grupo Galpão dominam a cena com maestria e dedicam-se não somente à atuação como à execução de instrumentos que nos remetem aos sons envolventes e bem-humorados da Orquestra para Funerais e Casamentos de Goran Bregovic - que ficou conhecido pela trilha sonora de Borat.


A nova montagem do Grupo Galpão, que retorna à linguagem de teatro de rua, é primorosa. Para os que tiveram a sorte de ter assistido à versão de Romeu e Julieta, do mesmo grupo, espetáculo que povoou durante anos o imaginário dos amantes do bom teatro como uma das mais belas montagens do clássico de Shakespeare, é como se um retorno no tempo nos tivesse brindado com as mesmas emoções. Muito humor, luta pela sobrevivência e momentos de extrema emoção e beleza.


Till, a saga de um herói torto já se apresentou no Rio de Janeiro, em várias cidades de Minas Gerais, em São Paulo, e seguirá sua turnê pelo Brasil e pelo mundo. Esperemos que como em Romeu e Julieta e A rua da amargura, obras-primas da companhia mineira, esse novo trabalho permaneça em cartaz por muito tempo para que possa atingir a um público ainda maior do que os mais de 50 mil expectadores que já o assistiu.

Informações sobre a agenda do
Grupo Galpão no site:
www.grupogalpao.com.br

terça-feira, 3 de novembro de 2009

PRIMEIRA E ÚNICA MULHER





















escrito para a Revista Brasileiros edição n° 27 – Outubro de 2009 www.revistabrasileiros.com.br


Falar de morte e de amor incondicional é algo que pode resvalar no lugar comum, na pieguice, no melodrama, mas Restos, de Neil LaBute - dramaturgo e diretor de cinema americano - em cartaz no Teatro FAAP, protagonizado por Antonio Fagundes, passa bem longe de tudo isso. O texto tece os acontecimentos sem dar à plateia tempo para que ela sequer enverede por caminhos da emoção superficial. Tudo é profundo e simples ao mesmo tempo. Uma bela escolha desse ator-produtor que há mais de quarenta anos atua no teatro, cinema e televisão.


Logo, ao abrir das cortinas, vendo o piso de grama negra, reluzente, como se fosse um delicado brocado - pisado pelos pés descalços de Fagundes -, fica claro que não iremos presenciar um simples funeral da pessoa amada. O caminho será longo e


pouco confortável para nudez ainda representada apenas pelos pés delicados de um homem emocionado, simples, que ganha a vida alugando automóveis antigos, e tem grande orgulho de ter uma rede, país afora, chamada Carr's Cars. A mais comum das histórias de amor, sexo e convivência matrimonial, não fossem os segredos que ela contém e que serão apenas revelados no final: sem alardes, Mary Jo - a tão presente esposa de Edward Carr é, em todos os sentidos, a única mulher da vida dele.


Carr não se poupa em tocar em assuntos íntimos, como o de sua primeira experiência sexual, que aconteceu com sua mulher que acaba de morrer. Fumando um cigarro atrás do outro - apesar de ter, segundo o seu médico, apenas mais alguns meses de vida, acometido por um câncer -, vai revelando que nunca teve outra mulher nem antes, nem depois dela. Alegra-se até, em determinado momento, que ela tenha morrido antes dele e, portanto, não lhe seria conferida a chance de conhecer outros homens depois dele. Palavras duras, mas que contêm a melhor essência desse amor.


Texturas e mais texturas se apresentam uma após a outra e as camadas dessa personagem, por vezes quase rude, se misturam às propostas por todos envolvidos nela, tanto pela atuação madura de Antonio Fagundes, como pela encenação brilhante de Márcio Aurélio - grande conhecedor da alma humana - e que já nos brindou com obras primorosas, como Agreste e Ópera Joyce


RESTOS
Teatro FAAP - Rua Alagoas, no 903
- Consolação, São Paulo (SP)
(11) 3662-7232 / 3662-7235

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

EU COMO VOCÊ ou (Arquétipos do Desejo)





escrito para a Revista Brasileiros
edição n° 25 – Agosto de 2009

A vontade de remexer nas origens nordestinas de Nelson Rodrigues, e de muitos dos integrantes do grupo Os Fofos Encenam, somando-se ao estudo permanente que a companhia vem fazendo sobre a obra de Gilberto Freyre, levou a trupe a mergulhar fundo em suas raízes e como consequência transformar a sua sede em um santuário/instalação da brasilidade e da família. Móveis e fotos dispostos no bar – restaurante - sala de espera preparam o público para o que ele irá presenciar dentro do espaço cênico.
Em Memória da Cana, adaptação livre de em uma de suas mais belas obras de Nelson , Álbum de Família, somos transportados para esse universo sem escalas. E esse encurtamento de trajeto nos é dado de presente pela pernambuquice do adaptador/diretor , o consagrado autor Newton Moreno, que já nos presenteou com Agreste e As Centenárias.
Sempre ouvimos, ou lemos, que um determinado texto de Nelson Rodrigues é a mais importante da obra de sua carreira, mas uma breve reflexão nos permite afirmar que toda a sua produção é fundamental; não só para o teatro brasileiro, como um dia será para a dramaturgia universal. Confesso que me aproximei ainda mais desse estupendo autor, que sem pudores nos ajuda a desvendar os mistérios da psicologia humana, depois de ter assistido Memória da Cana. Assobiei, chupei a cana e quero mais.
As paredes transparentes do cenário nos permitem ver os diversos cômodos da casa e facilitam o voyeurismo para dentro de nós mesmos. Se na obra de Nelson as fantasias incestuosas já são delineadas com extrema clareza, em Memória da Cana elas são não apenas apresentadas, como também desvendadas e explicitados através dessa obra que não deixa pedra sobre pedra quando o assunto é o mundo dos sonhos proibidos. O circo pega fogo quando as paredes desabam e junto com elas todas as possibilidades de nos protegermos de nossos mais enrustidos desejos.
Mãe que deseja o filho, pai que deseja a filha, filho que deseja a mãe, irmão que se castra para não sucumbir aos seus desejos incestuosos. Como nas tragédias gregas, em Memória da Cana nos deparamos com nossos sentimentos mais ocultos, com as nossas grandes disputas de poder, e que acobertamentos de todos. O cheiro da cana, da terra é inebriante e (como diz o ditado, quem nunca comeu melado, quando come se lambuza) nos melecamos todos.
Durante o espetáculo, como num jogo de xadrez, as imagens de santos são manipuladas, carregadas , transferidas de lugar como se fossem capazes de purificar cada ação e em alguns momentos elas servem de avalistas para as condutas libidinosas e incestuosas. Denunciando assim a participação ativa das crenças religiosas nos descompassos sexuais da vida familiar. E isso não acontece apenas nas relações entre os moradores da casa grande e da senzala; contamina também, ou principalmente, as relações entre parentes dentro da própria casa grande.
Vale ressaltar as atuações surpreendentes que, certamente, deve-se ao trabalho do grupo que há muito tem provado sua competência em suas pesquisas que extrapolam o âmbito acadêmico e que atingem não apenas os pequenos grupos de iniciados.

Rodeado de terra e açúcar, não pude deixar de lembrar de um documentário que assisti sobre as formigas e abelhas. Puro teatro grego, puro Nelson. Pude ver como somos parecidos com eles em seus formigueiros e colméias, com suas rainhas assassinas e zangões assediados e abusados . Tudo cheira a sexo, morte e renovação. O que nos diferencia deles é que temos bons dramaturgos, como Nelson e Newton. Às abelhas e às formigas sobraram apenas as fábulas e os espetáculos infantis.
Como dizem que sexo tem tudo a ver com comida, ao final do espetáculo é possível degustar pratos da culinária nordestina que devem ser encomendados na compra dos ingressos. Cardápio e preços podem ser consultados no local ou no site do grupo.
São Paulo
Memória da Cana
Espaço Os Fofos Encenam
www.osfofosencenam.com.br
Tel. 11 3101.6640

segunda-feira, 27 de julho de 2009

SERIA TRÁGICO, SE NÃO FOSSE CÔMICO







escrito para a Revista Brasileiros
edição n° 24 – Julho de 2009
http://www.revistabrasileiros.com.br/


Fui apresentado ao estranho poder da voz de Florence Foster Jenkins na década de 1970 por Naum Alves de Souza, um criador antenado e renomado autor e diretor de teatro. Posso me lembrar claramente como fui atingido por aqueles grunhidos extraterrestres como se fosse hoje. Estranhávamos àquela época, como alguém com aquela voz e com aquele visual poderia ter ficado tanto tempo desconhecido dos verdadeiros amantes da arte como nós. Passávamos horas ouvindo aquele long play falando sobre a Florence e tentando entender o que a levou a tomar atitudes tão contundentes e radicais em sua vida e, também, o que levaria um ser humano tão desprovido de talento vocal a perseguir uma carreira lírica com tanto afinco. Riamos muito, de nos contorcer, e ao mesmo tempo nos enternecia saborear as poucas imagens às quais podíamos ter acesso daquela figura quase uma precursora das drag queens. Fazíamos cópias piratas de suas músicas em fitas cassete e distribuímos para os amigos mais íntimos. Estava criada, antes mesmo do evento da internet, o “twitter” da Florence Foster Jenkins. Éramos seus fiéis seguidores, só falávamos dela, só pensávamos nela.

O tempo passou e com a chegada da rede global de comunicação aprendemos que a Florence não é muito diferente dos milhares de usuários da web que hoje se expõem sem pudores através de pequenos vídeos caseiros. Basta uma “googada” e qualquer um pode apreciar os mistérios e as esquisitices da raça humana.

A idéia de se montar um musical sobre a vida dessa admirável criatura é no mínimo uma homenagem àqueles que têm um sonho e o perseguem até o fim. Florence “had a dream” (tinha um sonho) e o realizou. Sem pudores, como Luther King, Obama e Susan Boyle.

Dando uma pesquisada na internet encontrei várias montagens, mundo afora, da vida de Florence e fiquei feliz em saber que finalmente depois de mais de 50 anos de sua morte, e quase 130 de seu nascimento, ela finalmente teve seu talento reconhecido.

O roteiro de Peter Quilter, escolhido para a montagem de Gloriosa, em cartaz no Teatro Procópio Ferreira, dá apenas uma pequena idéia do que deve ter sido essa grande figura do universo lírico americano do início do século passado e mostra que Florence Foster Jenkins era a “piada” mais popular de Nova York nos anos 1940. E por conta disso, era amada pela sua platéia. Dizem que os ingressos para os recitais anuais que protagonizava no Hotel Ritz eram disputados a tapa. Com medo de atrair uma platéia hostil ela entrevistava cada um dos compradores dos ingressos. À sua platéia, formada em sua maioria por mulheres que pertenciam às instituições de caridade que ela presidia, além de grandes nomes como Cole Porter, Irving Berlin e Noel Coward, ela oferecia um repertório caprichado (Mozart, Verdi, Strauss) com uma peculiaridade: conseguia realizar as piores interpretações que estes compositores já tiveram em toda a história. Seria trágico se não fosse cômico.

A vida de Florence chega aos palcos brasileiros através dos diretores Charles Möeller e Claudio Botelho, com produção de Sandro Chaim, e na interpretação da talentosa artista multi-tarefas Marília Pêra que transita com tranquilidade entre o drama e a comédia com a mesma qualidade de interpretação. O elenco conta ainda com as competentes interpretações de Eduardo Galvão, como o fiel pianista Cosme McMoon, e de Guida Viana em variados papéis.

É difícil dizer o que Marília Pêra faz melhor, mas vendo sua Jenkins ouso afirmar que é na comédia deslavada, ou ainda nos exageros técnicos, que ela se sente mais em casa. Seu saltitar, sua cara de pau em dizer as bobagens contidas no texto e seu despudor são no mínimo o “crème de la crème” do teatro popular contemporâneo.

“A composição desta personagem foi extremamente difícil para mim, porque passei a minha vida inteira aprendendo a cantar e me aprimorando. De repente, tenho que fazer justamente o contrário, desafinar. Foi uma verdadeira desconstrução da minha voz.”, comenta Marília. Ela que passou toda a sua vida cuidando da voz e de seus gorjeios é obrigada a desafinar como uma galinha estrangulada e cumpre muito bem a tarefa. Suas interpretações de Rainha da Noite, de Mozart e de A Risada de Adele, de Strauss são um verdadeiro delírio. A platéia ao vê-la e ouvi-la aplaude seus acertados erros propositais.

Florence esteja onde estiver, deve estar se sentindo presenteada.

Gloriosa
Teatro Procópio Ferreira – São Paulo
Tel. 11 3083.4475

sexta-feira, 19 de junho de 2009

VICIADO PELO PODER

escrito para a Revista Brasileiros
edição n° 23 – Junho de 2009
A história de José Carlos começa quando ele é um adolescente e é considerado o filho “problema” , que gosta de fumar um “baseadinho” e sem grandes ambições. Manipulado pela família, classe média, quase que obrigado, entra para o serviço público. Pouco afeito a botar a mão na massa, por pura sorte, acaba sendo aprovado em um concurso através de um teste de múltipla escolha e chega ao seu primeiro emprego. De múltiplas em múltiplas escolhas ele acaba sendo o escolhido para participar ativamente da história recente do Brasil. Aprende a manipular dados e pessoas e chega a Brasília como laranja e acaba desenvolvendo talento para ser lobista. De lobista a candidato e depois eleito deputado, alterna suas ações entre manipulador e manipulado sem o menor pudor. Condena as ações de seus amigos políticos e instantaneamente muda de lado, apoiado por teorias das mais convincentes. A sua própria sobrevivência depende de vacinas muitas vezes desenvolvidas com o vírus mutante da vida política. Dando nome aos bois, tancredos, sarneys, collors, fhcs, lulas, José Carlos se mantém vivo respaldado pela bancada evangélica, na Corte do Serrado.
Sem ser panfletário, nem maniqueísta, o Mediano, de Otávio Martins, diverte e nos adverte que as coisas são mesmo assim: lá e cá. Fazemos parte de um grupo de animais quase racionais prontos para agir em defesa própria. Principalmente quando o caminho nos é facilitado. Temos tido ótimos exemplos disso não somente na política como também no futebol. O que importa é o nosso potencial de arremesso a gol, não importando contra quem estamos jogando. Atacamos e defendemos, em nome da democracia, mas baseados muito mais na defesa de nossos próprios espaços. Outro ponto positivo da escrita de Otávio é a denuncia de uma quantidade enorme de profecias estrondosas que somos capazes de fazer sabendo que elas tem noventa por cento de chance de não se concretizarem. A personagem afirma categoricamente que o “moço das alagoas”, o “sociólogo” e o “operário barbudinho” jamais chegarão ao poder e num piscar de olhos divide com eles as cenas palacianas.
José Carlos é vivido por Marco Antonio Pâmio um ator que tem se preocupado em oferecer ao público participações primorosas em obras como Pobre Super Homem, Longa Jornada Noite a Dentro, Pedra nos Bolsos e tantas outras. São 25 anos de serviços prestados ao bom teatro. A atuação de Pâmio em “Mediano” , seu primeiro monólogo, é irrepreensível. Apoiado por uma cenografia muito simples, ele nos apresenta criaturas, homens e mulheres, muito diferentes. Familiares preocupados com as suas crias, crias preocupadas com as suas micro-vidas e uma quantidade interminável de personagens que conhecemos tão bem: nós mesmos.
A direção precisa de Naum Alves de Souza dá a certeza ao Marco Antonio Pâmio que mesmo atuando em um monólogo o ator não pode, nem deve, se sentir só. Tudo é bem cuidado e cada movimento seja físico ou mental está acompanhado da sabedoria de um mestre da direção. Nada é banal.
Depois de cumprir curtíssima temporada no SESC Pinheiros, “Mediano” de Otávio Martins se atira na realidade teatral da praça Roosevelt, mais precisamente no Teatro Parlapatões.


MEDIANO – Reestréia dia 20 de Junho, no Espaço dos Parlapatões. Pça. Roosevelt, 158. T. 3170-4059. Espetáculo recomendável para maiores de 14 anos. – Sábados à meia-noite. R$ 30,00 (inteira) R$ 15,00 meia. Até 25 de julho.



terça-feira, 24 de março de 2009

A GENÉTICA DE NELSON




escrito para a Revista Brasileiros
edição n° 19 – Fevereiro de 2009
http://www.revistabrasileiros.com.br/



A montagem teatral carioca Cachorro!, de Jô Bilac, invade a nossa praia pela segunda vez depois de curta temporada de sucesso há mais ou menos um ano atrás no SESC Paulista. De volta ao Rio eles cumpriram pequenas temporadas em alguns espaços e agora eles se apresentam no espaço da Caixa Econômica Federal da Praça da Sé, também por um tempo muito reduzido. Para falar a verdade essas temporadas muito breves me incomodam um pouco, pois quando os espetáculos começam a formar seu público, chega a hora de abandonar o espaço. É preciso que os programadores confiem mais em suas descobertas e invistam mais na divulgação do teatro emergente.

Em Cachorro!, sem medo de comparações com as obras de Nelson Rodrigues, Jô Bilac bebe com muita sede o que o mestre das relações familiares e amorosas – muitas vezes as duas coisas ao mesmo tempo - nos ensinou e isso resulta em uma dramaturgia fresca, ácida e muito consistente. Puro Nelson, mas geneticamente modificado.

Um triângulo amoroso se apresenta desde os primeiros minutos da ação e manipulando frágeis painéis translúcidos – que por vezes revelam as cenas e que quando necessário as esconde, os três jovens atores utilizam uma linguagem corporal contemporânea que acentua a dramaticidade cômica do texto acompanhada pela sensual trilha sonora assinada por Diogo Ahmed.

Os atores Carolina Pismel, Felipe Abib e Paulo Verlings apesar da pouca idade compreendem esse universo rodriguiano e encantam os espectadores jovens apresentando esse universo dolorido e divertido, como num ritual de passagem. Todos se deleitam com suas atuações irrepreensíveis.

O cenário de Daniele Geammal é formado por divisórias que funcionam como separação das cenas e muitas vezes, apoiados pela luz precisa de Paulo Cesar Medeiros, nos remete ao teatro de sombras nos transformando em “voyeurs” de momentos proibidos.

A direção precisa de Vinícius Arneiro oferece ao grupo a certeza de estarem trilhando o caminho correto para que exagerem nas tintas quando é necessário e tirem o pé do acelerador quando a trama assim exige. E, para ser honesto, é no exagero que a montagem acaba pegando a platéia de maneira irreversível.

Enfim: boa dramaturgia, ótimas atuações, direção madura. O que mais pode-se desejar?

Além da temporada paulista Cachorro! cumprirá extensa temporada Brasil afora.


Agenda
12 a 22/02 Caixa Cultural São Paulo – SP 28/02a 24/05 Circuito SESI – SP. Todos os finais de semana.23/03 São Luiz do Maranhão24/03 Sousa – Paraíba – "Festival de Teatro do BNB"25/03 Juazeiro do Norte – Ceará - "Festival de Teatro do BNB"26/03 Fortaleza – Ceará – "Festival de Teatro do BNB"13/06 Uberaba – Minas Gerais.
Site:
www.teatroindependente.com.br

domingo, 1 de fevereiro de 2009

AS ÁGUAS DE MÁRCIA





escrito para a Revista Brasileiros
edição n° 18 – Janeiro de 2009

Há algum tempo venho acompanhando a criação de Márcia Milhazes frente à sua pequena companhia de dança e confesso que a cada nova estréia ou, até mesmo, a cada vez que eu revejo algum de seus trabalhos, eu tremo nas bases diante de uma dramaturgia das mais complexas e instigantes.

Em 2007, a Cia Márcia Milhazes apresentou Tempo de Verão que recebeu vários prêmios da crítica especializada. Em agosto deste ano, estreou Meu Prazer e já se apresentou em São Paulo e Rio de Janeiro. Em janeiro de 2009 ela inicia uma turnê nacional, começando por São José dos Campos. Pena, mas as pautas oferecidas para a dança nos teatros ainda é escassa e muito fragmentada.

A nova dança produzida pelo pensamento, pela emoção e pelo movimento, tem me interessado cada vez mais. Muitas vezes mais do que o teatro da palavra. Talvez pela utilização excessiva desses códigos. As criações de Márcia Milhazes Companhia de Dança me fazem olhar com olhos mais atentos essa dramaturgia que apesar de não utilizar palavras grita em alto e bom som todas as emoções que nós mortais vivemos, sonhando que somos imortais. Vale ressaltar que essas afirmações não são válidas para tudo o que tem se produzido pela dança contemporânea.

A alegria e a dor, em Meu Prazer, ocupam o mesmo espaço cênico e através de movimentos minuciosamente criados por Márcia Milhazes, e executados com perfeição pelos interpretes, nos fazem viajar por águas mansas e turbulentas que dominam a maior parte de nossa estrutura – dizem que nossa composição chega a mais de 60% de água. E, em alguns casos, ao ver Meu Prazer, essas águas transbordam e escorrem pelo canal lacrimal. Pura emoção.

De encontros e desencontros, de humano e desumano, a dramaturgia de Meu Prazer nos conta um pouco desse nosso cotidiano lidando com nosso prazer e sentimentos. As escolhas dos movimentos nos aproximam mais dos nossos erros e acertos em relação ao outro e a nós mesmos.

Al Crisppinn, Ana Amélia Vianna, Felipe Padilha e Fernanda Reis são parceiros de Márcia Milhazes em Meu Prazer e não economizam mesmo na mais profunda crise. Eles desenham com perfeição esse universo de corpos que se resvalam delicadamente, na maioria das vezes.

O jardim suspenso criado por Beatriz Milhazes para Meu Prazer repete o acerto de Tempo de Verão. As cores de seus cenários – objetos nos ajudam a flutuar com os movimentos criados pela coreografa. Ambas, Márcia e Beatriz, utilizam o mais elaborado dos processos de criação e que resultam extremamente simples.

A trilha sonora, também assinada por Márcia Milhazes, envolve a cena e tem a função de pele para esses corpos. Fala explicitamente de amor, com sotaque bem brasileiro. Valsas, solos de piano e acordeão e a voz de Francisco Alves em Misterioso Amor.

Se Márcia Milhazes prefere ficar “trancada para criar”, como ela mesma afirma, ela utiliza todas as janelas do corpo para gritar a sua dramaturgia emocionada e emocionante, deixando claro que o que está sendo desvendado é o humano ou o sobre-humano.

sábado, 24 de janeiro de 2009

MONSTRA NADA SAGRADA




escrito para a Revista Brasileiros
edição n° 16 – Novembro de 2008
www.revistabrasileiros.com.br

Ao ver o cartaz de Monstra, arte de Luiz Stein, aqueles que como eu achavam que a dama do teatro de humor carioca Patricya Travassos, que enlouqueceu platéias quando se apresentou em Trate-me Leão, do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, tinha sido seqüestrada e era mantida como refém por uma abóbora hidropônica por sua atuação em Alternativa Saúde, do GNT, podem respirar aliviados.No palco do Teatro dos Quatro, em seu espetáculo Monstra, ela está livre tanto das leguminosas criminosas e, até mesmo, das comidas orgânicas. Livre, também, de seu linguajar 'geenetesco', politicamente correto. Já na abertura do espetáculo, ela deixa claro que não está ali para se policiar e enfia o pé na jaca, antes mesmo de pisar no palco. Entrando pela platéia, ela já prepara a todos para o que eles irão ver e, de cara, arranca os sapatos de uma das espectadoras porque esqueceu os dela em casa.Ela vive Maria Helena, que chega ao teatro com o pretexto de ministrar uma palestra de auto-ajuda e cai em suas próprias armadilhas, pois percebe que os sábios toques que pretendia dar aos presentes não funcionam nem para si mesma.Isso posto, passa o resto do tempo regulamentar lidando com suas próprias inseguranças até se transformar na tão esperada mulher-monstra.De seu livro, Monstra e outras crônicas da revista Marie Claire, recentemente lançado pela Editora Globo, Patricya selecionou, com a ajuda do diretor Jorge Fernando, algumas delas e as transformou em dramaturgia.Segundo a própria Patricya, essas histórias foram colecionadas a partir de suas saídas pela cidade e, é claro, algumas criadas por ela, sempre inspiradas em sua experiência pessoal e de suas amigas. Ela garante que não são histórias autobiográficas.Patricya nada de braçada em águas tão familiares para ela, o humor escancarado, e nessa tragicomédia singular arranca da platéia as mais deliciosas gargalhadas. Tudo sem o menor pudor.A direção de Jorge Fernando, que também conhece muito bem esse universo do humor deslavado, colabora de maneira fundamental para que o espetáculo tenha o resultado desejado.