terça-feira, 3 de novembro de 2009

PRIMEIRA E ÚNICA MULHER





















escrito para a Revista Brasileiros edição n° 27 – Outubro de 2009 www.revistabrasileiros.com.br


Falar de morte e de amor incondicional é algo que pode resvalar no lugar comum, na pieguice, no melodrama, mas Restos, de Neil LaBute - dramaturgo e diretor de cinema americano - em cartaz no Teatro FAAP, protagonizado por Antonio Fagundes, passa bem longe de tudo isso. O texto tece os acontecimentos sem dar à plateia tempo para que ela sequer enverede por caminhos da emoção superficial. Tudo é profundo e simples ao mesmo tempo. Uma bela escolha desse ator-produtor que há mais de quarenta anos atua no teatro, cinema e televisão.


Logo, ao abrir das cortinas, vendo o piso de grama negra, reluzente, como se fosse um delicado brocado - pisado pelos pés descalços de Fagundes -, fica claro que não iremos presenciar um simples funeral da pessoa amada. O caminho será longo e


pouco confortável para nudez ainda representada apenas pelos pés delicados de um homem emocionado, simples, que ganha a vida alugando automóveis antigos, e tem grande orgulho de ter uma rede, país afora, chamada Carr's Cars. A mais comum das histórias de amor, sexo e convivência matrimonial, não fossem os segredos que ela contém e que serão apenas revelados no final: sem alardes, Mary Jo - a tão presente esposa de Edward Carr é, em todos os sentidos, a única mulher da vida dele.


Carr não se poupa em tocar em assuntos íntimos, como o de sua primeira experiência sexual, que aconteceu com sua mulher que acaba de morrer. Fumando um cigarro atrás do outro - apesar de ter, segundo o seu médico, apenas mais alguns meses de vida, acometido por um câncer -, vai revelando que nunca teve outra mulher nem antes, nem depois dela. Alegra-se até, em determinado momento, que ela tenha morrido antes dele e, portanto, não lhe seria conferida a chance de conhecer outros homens depois dele. Palavras duras, mas que contêm a melhor essência desse amor.


Texturas e mais texturas se apresentam uma após a outra e as camadas dessa personagem, por vezes quase rude, se misturam às propostas por todos envolvidos nela, tanto pela atuação madura de Antonio Fagundes, como pela encenação brilhante de Márcio Aurélio - grande conhecedor da alma humana - e que já nos brindou com obras primorosas, como Agreste e Ópera Joyce


RESTOS
Teatro FAAP - Rua Alagoas, no 903
- Consolação, São Paulo (SP)
(11) 3662-7232 / 3662-7235

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