domingo, 24 de julho de 2011

Um tributo às diferenças


    Marcos Felipe como Luis Antonio Gabriela

Escrita para a Revista Brasileiros

edição nº 47 | Junho | 2011


Montagem Luis Antonio Gabriela, de Nelson Baskerville, põe em cena inquietudes e dramas pessoais, que também são universais, de forma emocionante e bem-humorada ao tratar de homossexualidade, transexuais e família

A homossexualidade e suas diversas manifestações, assunto ainda tão polêmico e em discussão no Senado e no Poder Executivo, nem sempre recebem tratamento adequado dos dramaturgos brasileiros. Raras são as montagens sobre esse tema que merecem ser vistas. Ou é encarado como tabu ou em novelinhas sem o menor conteúdo ou, ainda, em casos piores como comédias esculachadas em que os gays são motivo de piada ou chacota.

É incrível que o tema sexualidade ainda gere discussões em nosso País que tem tanto orgulho de ser emergente. Estamos ilhados na América Latina e rodeados por pensamentos e ações que nos deixam para trás em matéria de Direitos Humanos e compreensão do que sempre foi e sempre será humano.

Em cartaz no Galpão do Folias, Luis Antonio Gabriela, montagem do Grupo Mungunzá, que tem Marcos Felipe no papel título, surpreende ao falar de homossexualidade, transexuais e família de maneira bem-humorada, emocionante e cenicamente muito bem resolvida. A peça é, antes de tudo, um pedido de desculpas do autor, Nelson Baskerville, a seu irmão, com quem mantinha (inocentes) relações sexuais na pré-adolescência e que acabaram marcando negativamente a vida do autor. Nelson reagiu mal e com o passar do tempo exorciza seu passado despudoradamente diante dos espectadores.

A família de Luis Antonio e de sua nova mãe era algo comum para aquela época. Pai viúvo, com filhos, casa-se com mãe viúva, com filhos. Luis Antonio e Nelsinho foram imediatamente aceitos pela nova mãe. A história seria simples, com almoços e brigas dominicais, se não fosse o comportamento de Luis Antonio. Ele era um ser preso em um corpo que não reconhecia como seu. Luis Antonio queria e conseguiu ser Gabriela, um travesti.

A montagem, dirigida pelo próprio autor, envolve a todos, colocando família, fidelidade, felicidade, amor e sexualidade, todos com o mesmo peso. Sem hipocrisias. As escolhas cênicas são muito simples e é talvez por essa razão que levam a plateia ao profundo deleite. A música ao vivo passa a quilômetros dos empolados musicais nos quais os agudos estão nos lugares certos e os tons são respeitados com rigidez. A música está lá, presente, assim como a sensibilidade dos atores dessa história dura, mas repleta de ternura. Iluminação, figurinos, intervenção dramatúrgica, elementos cênicos se desenvolvem em perfeita harmonia.
Como bom espectador que sou - tanto de montagens teatrais quanto da vida e atuação desses personagens que vivem à margem e que merecem, no espetáculo, citação musical de Lou Reed, Walk on The Wild Side -, a montagem me transportou para momentos adormecidos em minha memória e no final fiz a minha lista de Gabrielas: Claudia Wonder, Vera Abelha, Vicky, Barbarella, Condessa, Tania Starr, Meise, Lola, Makiba, Aloma, Biá, Phedra de Cordoba. Não é para menos que ao final, a plateia aplauda em pé e com gosto. Estamos todos em cena, com nossas inquietudes juvenis e adultas, nossos sonhos, nossos pedidos de desculpas, nossas declarações de amor, nosso olhar generoso para o que é diferente de nós mesmos.

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